F. A. Hayek – Sobre Bastiat

Introdução de Hayek aos textos de Bastiat compilados no Selected Essays on Political Economy, trans. Seymour Cain, ed. George B. de Huszar (Irvington-on-Hudson: Foundation for Economic Education, 1995)

Mesmo aqueles que possam questionar a eminência de Fréderic Bastiat como um teórico econômico irão conceder que ele foi um gênio publicista. Joseph Schumpeter o chama de “o mais brilhante jornalista econômico que já viveu.” Para o propósito de introduzir o presente volume, que contém alguns de seus mais bem sucedidos escritos para o público geral, nós podemos muito bem deixar dessa forma. Pode-se até mesmo conceder a afirmação áspera de Schumpeter de que “ele não foi um teórico” sem seriamente diminuir sua estatura. É verdade que quando, no fim de sua carreira extremamente curta como um escritor, ele tentou proporcionar uma justificação teórica para suas concepções gerais, ele não satisfez os profissionais. Seria de fato um milagre se um homem que, depois de apenas cinco anos como um escritor regular de questões públicas, com uma doença mortal rapidamente lhe dando fim, tentando defender os pontos nos quais se diferia da doutrina estabelecida, tivesse sido completamente bem sucedido. Porém ainda se pode perguntar se não teria sido apenas sua morte precoce com 49 anos o que o impediu. Seus escritos polêmicos, que em consequência são os mais importantes que ele deixou, certamente provam que ele tinha um insight sobre o que era significativo e são um presente para se ir ao coração da questão que teria lhe proporcionado um amplo material para contribuições reais à ciência.

Nada ilustra isso melhor do que seu celebrado título do primeiro ensaio do presente volume. “O que se vê e o que não se vê na política econômica.” Ninguém jamais expressou de forma mais clara, em uma única frase, a dificuldade central de uma política econômica racional e, eu gostaria de adicionar, o argumento decisivo em prol da liberdade econômica. É a ideia comprimida nessas poucas palavras que me fez usar a palavra “gênio” na frase de abertura. É de fato um texto sobre o qual pode-se delinear todo um sistema liberal de política econômica. E embora seja o título apenas do primeiro ensaio desse volume, ele proporciona a ideia principal de todos eles. Bastiat ilustra seu significado de novo e de novo ao refutar as falácias correntes de seu tempo. Indicarei posteriormente que, embora as ideias que ele combate são hoje usualmente defendidas apenas em uma aparência mais sofisticada, elas basicamente não mudaram muito desde o tempo de Bastiat. Mas primeiro quero dizer algumas palavras sobre o significado mais geral de sua ideia central.

Ela é simplesmente que, se julgarmos medidas de política econômica unicamente por seus efeitos imediatos e concretamente previsíveis, não apenas não alcançaremos uma ordem viável, mas estaremos seguros de extinguir progressivamente a liberdade e, assim, impediremos mais bem do que nossas medidas produzirão. A liberdade é importante para que todos os diferentes indivíduos possam fazer pleno uso das circunstâncias particulares de que só eles sabem. Portanto, nunca sabemos quais ações benéficas evitaremos se restringirmos sua liberdade de servir seus semelhantes da maneira que desejarem. Todos os atos de interferência, no entanto, equivalem a tais restrições. Eles são, é claro, sempre tomados com vista a alcançar algum objetivo definido. Contra os resultados diretos previstos de tais ações do governo, poderemos, em cada caso individual, equilibrar apenas a mera probabilidade de que algumas ações de alguns indivíduos desconhecidas, mas benéficas, sejam evitadas. Em consequência, se tais decisões são tomadas de um caso para outro e não são governadas por um apego à liberdade como um princípio geral, a liberdade está fadada a perder em quase todos os casos. Bastiat estava certo em tratar a liberdade de escolha como um princípio moral que nunca deve ser sacrificado a considerações de conveniência; porque talvez não exista nenhum aspecto de liberdade que não seria abolido se fosse para ser respeitado somente quando os danos concretos causados ​​por sua abolição pudessem ser apontados.

Bastiat dirigiu seus argumentos contra certas falácias recorrentes como elas foram empregados em seu tempo. Poucas pessoas as empregariam hoje tão ingenuamente quanto ainda era possível fazê-lo. Mas não deixe o leitor enganar a si mesmo de que essas mesmas falácias não mais têm um papel importante na discussão econômica contemporânea: hoje elas são expressas meramente de uma forma mais sofisticada e, portanto, mais difícil de detectar. O leitor que aprendeu a reconhecer esse estoque de falácias em suas manifestações mais simples estará pelo menos em guarda quando encontrar as mesmas conclusões derivadas do que parece ser um argumento mais científico. É característico de grande parte da economia recente que, através de argumentos sempre novos, ela tenha tentado reivindicar aqueles preconceitos que são tão atraentes porque as máximas que se seguem são tão agradáveis ​​ou convenientes: os gastos são uma coisa boa e a poupança é ruim; os benefícios e a economia do desperdício prejudicam a massa do povo; o dinheiro fará mais bem nas mãos do governo do que nas do povo; é o dever do governo garantir que todos recebem o que merecem; etc etc.

Nenhuma dessas idéias perdeu seu poder em nosso tempo. A única diferença é que Bastiat, ao combatê-las, estava em geral lutando ao lado dos economistas profissionais contra as crenças populares exploradas pelas partes interessadas, enquanto propostas semelhantes são hoje propagadas por uma influente escola de economistas de forma impressionante e, para o leigo, em uma roupagem em grande parte ininteligível. É duvidoso se existe alguma entre as falácias que se poderia esperar que Bastiat tivesse matado de uma vez por todas que não tenha experimentado sua ressurreição. Eu darei apenas um exemplo. Para uma consideração da fábula econômica mais conhecida de Bastiat, A Petição dos Fabricantes de Vela contra a Competição do Sol, no qual é exigido que janelas deveriam ser proibidas por causa do benefício que a prosperidade dos fabricantes de velas confeririam a todos os outros, um conhecido livro francês de história da economia acrescenta em sua última edição a seguinte nota de rodapé: “Deve ser notado que, de acordo com Keynes – na suposição de subemprego e de acordo com a teoria de o multiplicador – esse argumento dos fabricantes de velas é literal e totalmente válido.”

O leitor atento notará que, enquanto Bastiat lida com tantas panaceias econômicas que nos são familiares, um dos principais perigos do nosso tempo não aparece em suas páginas. Embora ele tenha que lidar com várias propostas estranhas para usar o crédito que eram correntes em seu tempo, a inflação direta através de um déficit do governo parecia, na sua época, não um grande perigo. Um aumento de despesas significa para ele necessariamente e imediatamente um aumento na tributação. A razão é que, como entre todas as pessoas que passaram por uma grande inflação na memória viva, uma depreciação contínua do dinheiro não era uma coisa com a qual as pessoas teriam tolerado em seu dia. Portanto, se o leitor se sentir inclinado a sentir-se superior às falácias bastante simples que Bastiat acha necessário refutar, ele deve lembrar-se de que, em outros aspectos, seus compatriotas de mais de cem anos atrás eram consideravelmente mais sábios do que nossa geração.

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