As Raízes Clássicas e Medievais do Liberalismo, por Friedrich Hayek

Os princípios básicos a partir dos quais os Old Whigs moldaram seu liberalismo evolucionário têm uma longa pré-história. Os pensadores do século XVIII que os formularam foram, de fato, largamente assistidos por ideias datadas desde a antiguidade clássica e por certas tradições medievais que, na Inglaterra, não tinham se extinguido pelo absolutismo.

As primeiras pessoas que claramente formularam o ideal de liberdade individual foram os gregos antigos e, particularmente, os atenienses durante o período clássico dos séculos V e IV a.c. A afirmação, por alguns escritores do século XIX, de que os antigos não conheciam a liberdade individual no sentido moderno é claramente refutada por episódios como quando o general ateniense, durante um momento de perigo extremo durante a expedição na Sicília, lembrou aos soldados de que eles estavam lutando por um país que os deixava com “total liberdade de viver como quisessem”. Sua concepção de liberdade era de liberdade dentro da lei, ou de um estado de coisas em que, como segue a frase popular, a lei é soberana. Ela encontrou expressão, durante os períodos clássicos iniciais, no ideal de isonomia ou igualdade perante à lei, o qual, sem usar seu antigo nome, ainda é claramente descrito por Aristóteles. Essa lei incluía uma proteção do domínio privado do cidadão contra o Estado, coisa que chegou tão longe que, mesmo sob os Trinta Tiranos, um cidadão ateniense estava completamente seguro se permanecesse em seu lar. De Creta é até reportado (por Ephorus, citado por Strabo) que, porque a liberdade era considerada como o maior bem do Estado, a constituição assegurava propriedade especificamente para aqueles que a adquirissem, enquanto, em uma condição de escravo, tudo pertence aos governantes, e não aos governados. Em Atenas, os poderes de mudar a lei pelas assembleias populares eram estritamente limitados, embora já encontramos os primeiros casos em que tal assembleia se recusa a ter suas ações restringidas pela lei estabelecida. Esses ideais liberais foram ainda mais desenvolvidos particularmente pelos filósofos estoicos, os quais os estenderam além dos limites da cidade-Estado por suas concepções de uma lei natural que limitava os poderes de todo governo, e da igualdade de todos os homens perante à lei.

Esses ideais gregos de liberdade foram transmitidos para os modernos principalmente pelos escritos dos autores romanos. De longe o mais importante deles, e provavelmente a única figura que, mais do que qualquer outra, inspirou o renascimento daquelas ideias no começo da era moderna, foi Marco Túlio Cícero. Mas ao menos o historiador Tito Lívio e o imperador Marco Aurélio devem ser incluídos entre as principais fontes a partir das quais os pensadores dos séculos XVI e XVII, do começo do desenvolvimento moderno do liberalismo, basearam suas ideias. Roma, conjuntamente, ao menos forneceu para o continente europeu uma lei privada amplamente individualista, centrada numa concepção bastante estreita de propriedade privada – uma lei na qual, além do mais, até a codificação sob Justiniano, a legislação interferiu muito pouco e que foi, em consequência, considerada mais como uma restrição aos poderes do governo do que um exercício desses poderes.

Os primeiros modernos também poderiam delinear uma tradição de liberdade dentro da lei que foi preservada na Idade Média e extinta, no Continente, apenas no começo da era moderna, pela ascensão da monarquia absolutista. Como o historiador moderno (R. W. Southern) o descreve, ‘o ódio por aquilo que era governado não pela lei, mas pela vontade, era muito profundo na Idade Média, e em momento algum esse ódio foi uma força tão poderosa e prática quanto na primeira metade do período… A lei não era a inimiga da liberdade: pelo contrário, os rudimentos da liberdade eram delineados pela desorientada variedade de leis que foram desenvolvidas durante o período… Grandes e pequenos igualmente buscavam liberdade, por meio da insistência em ampliar o número de regras dentro das quais viviam.’

Essa concepção recebeu um intenso suporte pela crença em uma lei que existia acima e separada do governo, uma concepção que, no Continente, foi concebida como uma lei da natureza, mas que existia, na Inglaterra, como a Commom Law, a qual não foi o produto de um legislador, mas emergiu de uma insistente busca por justiça impessoal. A elaboração formal dessas ideias foi feita, no Continente, principalmente pelos Escolásticos, depois de sua primeira sistematização, sob fundações derivadas de Aristóteles, nas mãos de São Tomás de Aquino; pelo fim do século XVI, ela foi desenvolvida, pelos Jesuítas espanhóis, em um sistema político essencialmente liberal, especialmente no campo econômico, no qual eles anteciparam muito do que foi revivido pelos filósofos escoceses do século XVIII.

Finalmente, menções também devem ser feitas aos desenvolvimentos iniciais nas cidades-Estado da Itália Renascentista, especialmente em Florença; e à Holanda, a partir da qual as contribuições dos ingleses, nos séculos XVII e XVIII, poderiam ser amplamente delineadas.

*  Retirado do recomendadíssimo artigo Liberalism, de F. A. Hayek

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